
O comboio tem hora marcada. Abro o micro-ondas, e atiro o prato com arroz e rojões. Três minutos a oitocentos graus e a coisa está boa para comer. Sentado, encho a boca com garfadas rápidas e certeiras. Levanto a cabeça nas pausas das garfadas enquanto os maxilares trabalham. Olho para a televisão. Na parede verde alface da minha cozinha o rectângulo luminoso dá a palavra ao Presidente da Cáritas. É o forum.
Uma mulher entra em linha. Estou desempregada. O meu filho está desempregado. Telefono para saber onde posso ir comer. Tenho fome! Um pedaço de rojão fica entalado na minha goela. Fico gelado e choro.
Choro com o sabor daquela carne. Sinto-me culpado por ter ainda um prato para aquecer no micro-ondas. Aquela mulher tem fome. Procura na televisão um sítio para se alimentar. A ela e ao filho.
O comboio partiu à hora certa. Olho pela janela e penso; será que já comeu?
Estranho país este. Até quando?
Não há lágrimas que resistam. Devolvam-nos a dignidade.