

As cebolas, as alfaces, os alhos, as couves, estão pisadas e desfeitas por pés e tripés de jornalistas espanhóis, portugueses, franceses, ingleses e até um japonês que estava em Barcelona, e foi desviado para Santiago logo na noite do acidente. José Fernandez olha pela sua pequena janela impotente para afastar tal multidão de media. Está a contar os dias para voltar à sua pacatez e compor a sua finca. Nunca mais esquecerá aquele dia em que uma carruagem estacionou junto à sua casa, que está bem alta da linha férrea.
Angrois, um pequeno bairro, virou o centro do mundo. O centro de uma tragédia. Bombeiros, polícia, operários, técnicos, engenheiros, jornalistas e populares. Um labirinto de gente a trabalhar e outros a passear. É feriado. A Galiza festeja o seu dia com festejos cancelados. E o povo para onde vai? Vai para Angrois, que as belas ruas do centro histórico de Santiago estão vazias de festa. E então, com a roupa domingueira, podemos ver mulheres espampanantes, cães lulu ao colo, saltos bem altos, camisas cheirosas, carrinhos de bebé, cadeiras de rodas, muletas, turistas, casais, namorados e toneladas de telemóveis a fotografar como se estivéssemos perante um monumento que mais tarde queremos recordar.
E esse gigante monumento, está diante dos nossos olhos, uma força enorme de chapa que mais parece papel, onde poucas horas antes, pessoas morreram e outras desesperaram. Ainda um corpo quente está nos escombros e o povo lambe-se cá em cima como nos camarotes de um qualquer teatro. Os jornalistas, que querem informar, uns histéricos, outros pressionados, muitos cansados, alguns angustiados, têm que conviver com aquele povo que nada faz se não olhar e estorvar.
As imagens terríveis apoderam-se de nós desde a noite do dia 24. Na televisão, na net, nos jornais. Hoje, dia 26, a capa dos nossos jornais diários continua na Galiza. O JN e DN repetem a mesma fotografia assinada La Voz da Galicia / Reurters. O CM teima nas imagens de video do descarrilamento. O Público faz a diferença em toda a linha. Se o DN e JN não trazem nada de novo com uma imagem da hora do acidente, ainda cometem o pecado de repetir a mesma foto. O CM oferece uma imagem de um video que foi dos mais vistos ontem nas redes sociais, televisão e nos sites dos jornais. Nada de novo. O Público, potencia o facto de ter uma equipa de reportagem no local e assim faz a diferença na abordagem editorial. Fugindo, e bem, às imagens repetidas do dia do acidente, dá-nos as imagens do dia seguinte. Dá-nos actualidade.
As fotografias têm a assinatura de Adriano Miranda. É alguém que eu conheço bem! Mas aquela capa, aquele destaque, são de Miguel Madeira, Rui Gaudêncio, Nuno Ferreira Santos, Enric Vives-Rubio, Miguel Manso, Paulo Pimenta, Nelson Garrido, Manuel Roberto, Daniel Rocha, Isabel Amorim, Alexandra Domingos. De todos nós, de todo o P.
O pior foram os gritos das crianças a chamar pelos pais, escreve o JN. A carruagem parte em cima de um camião na busca de apagar memórias. Será sepultada numa qualquer siderurgia. Uma criança junto dos seus pais fotografa num acto de registo. É a imagem do Público. A morte e a vida. Homenageemos!
Deixa-me acrescentar algo mais ao teu post. A fotografia em causa não é só a imagem da equipa que referes.
É também a dos leitores, que desde 1990 assim o exigem, fazendo a diferença, caracterizando o espirito de liberdade, verdade, coerência e assertividade do jornal, e de que “quase” todas as fotografias publicadas, “escritas com luz” , são exemplo…