Giões

As férias acabaram. Quase um mês sem vestir calças nem sapatos. Só sol. Como o dinheiro nas minhas mãos não se multiplica, este ano fomos (eu, a Paula, o João e o Filipe) para casa da sogra no Algarve. E como José Sócrates considera que com os meus rendimentos já pertenço à classe média (Sarkozy considerar-me-ia da classe baixa) ter uma casa algarvia é um luxo e um desejo de muitos lusitanos.

Tive sorte. No meio de alguns namoros fui atrás da moura encantada e a muito custo lá descobri no mapa a sua aldeia. Claro que a moura tinha mesmo muito encanto. E para que não restem dúvidas (ela tem por hábito ler este blog) ainda tem o mesmo encanto e mais alguns. A aldeia dá pelo nome de Giões e fica no concelho mais pobre de Portugal, Alcoutim. Encravada nos montes de estevas o casario branco brilha ao longe. O sol queima teimosamente e a noite é repleta de estrelas. No verão a aldeia fica cheia de homens, mulheres, jovens, crianças. No único café repartem as mesas e as conversas. As crianças andam de bicicleta, jogam à bola. Giões no verão é uma comunidade onde os medos e os preconceitos da cidade ficam esquecidos, enterrados. Giões no inverno é quase fantasma.

Aprendi a caminhar pelos montes áridos. Apanhar amêndoas e parti-las com as pedras dos muros. Abrigar-me do sol na copa de uma figueira e degustar figos. Apreciar a rapidez dos coelhos e das lebres e a audácia das perdizes. Ali sinto o olhar sereno e contemplo os campos abandonados, os currais destruídos, os ribeiros secos, as amendoeiras mortas. Ali existe um animal em vias de extinção, o Homem.

Algumas mulheres arregaçaram as mangas e formaram a Associação Grito d’ Alegria, Amigos de Giões. Para que aquela terra não morra. Tornei-me sócio.

A música voava pelo céu. Dançava-se. Bebia-se. Cantava-se. A festa de Giões este ano está magnífica, dizia um velho. Lá no cimo, a uns cem metros da festa, os mortos da terra repousavam ao som da saudade cantada pelo trovador. Recordei o meu sogro. Bebi uma mini e fui deitar-me.

adriano miranda
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5 comments

  1. Ao pesquisar no google por noticias “da minha” terra (Giões) deparei-me com este magnifico artigo, que retrata tão bem as saudades que temos daquela aldeia e que só sente quem tem o previlégio de já lá ter estado por alguns dias, ou quem tem alguns laços com aquele lugar. É o meu caso, após alguns anos de ausência, tive o previlégio de poder retornar às origens porque o meu pai que é filho da terra depois de reformado teve bom gosto e resolveu voltar.

    Mais uma vez, os meus sinceros parabéns.
    Ercília

  2. é comovente ver um texto deste calibre, tão bem escrito, sobre a melhor aldeia do mundo…
    por vezes é esquecida, por alguns, mas é louvada pelos filhos da terra… como eu….
    nunca vi nem nunca virei umas pessoas tão empenhadas, para nao deixar a terra morrer…
    é uma aldeia espantosa, e acolhedora, porque quem for de fora é sempre bem acolhido e leva sempre uma ´´canita (termo para bebedeira no giões)“ de oferta…
    para mim o 1º de maio na ribeira do vascão é ainda mais magnifico do que a festa,o gioes é uma aldeia muito unida…
    ainda me lembro de quando era pequena, as matanças dos porcos,partir as amendoas e come-las, ir a atubra… isso tudo faz parte de mim….

    muitos parabéns, por este texto tão bem elaborado, sobre uma pequena(mas bonita) encravada nos montes de estevas, em que no verão se enche com a chegada dos filhos da terra que moram longe e que no inverno fica uma aldeia fantasma…
    pode-se situar no concelho mais pobre do pais, mas nem por isso deixa de ter a sua beleza e encanto que tem..

    essa fotografia é perto da casa da sua sogra???

  3. Sou de Faro, em meados de Novembro de 2010 fomos passear e o passeio levou-nos ao Pego do Inferno em Tavira, como chovia a potes em vez de voltar para Tavira virei à esquerda para o Cachoupo, a Serra estava repleta de medronheiros com os frutos já maduros e prontos a colher. Martim Longo foi a próxima etapa, com a barriga já a “dar horas” parámos em Giões e que paragem acertada, no restaurante “Poço Novo” revivi o algarve há muito esquecido onde as pessoas estão presentes e todos falam com todos, a comida o convívio e a simpatia dos seus habitantes fidelizaram-me! Este verão fiz o percurso inverso, começando por Alcoutim, mas o almoço foi em Giões, bela terra, oxalá assim se conserve por muito tempo.

  4. ha muita e boa que adora esta aldeia,o mesmo sucede comigo ,nao e a minha terra, mas e de uma familiar minha familiar que ,nao tem adado muito bem de saude,motivo porque ha quase um ano que nao vou ate a aldeia, mas com muita pena minha

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