Chile e Terreiro do Paço

Se a lanterna se apagasse a escuridão total tomava conta de nós. Os olhos habituavam-se ao negro das paredes de carvão e os músculos mostravam o que valiam ao trepar as galerias. Molhados até aos ossos, homens também negros numa mistura de suor e pó, picavam o minério com a força bruta do orgulho que é ser mineiro. Eram centenas os que dia-a-dia serpenteavam a rocha num estudado conjunto de corredores subterrâneos onde as histórias de gerações eram escritas com a ponta do martelo. Bisavós, avós, pais, filhos, cunhados, primos, sobrinhos, padrinhos e enteados, todos eles desciam na jaula numa comunhão de homens fortes. Um dia a notícia chegou. Encerramento. A jaula parou e os homens de cara lavada desceram ao Terreiro do Paço. Cavaco Silva, Primeiro-Ministro, não os ouviu. A jaula nunca mais se moveu.

Soterrados no desemprego, não porque o carvão se tenha esgotado mas porque a política económica dos poderosos assim o exigia, os mineiros do Pejão viveram o maior de todos os dramas, querer comer e não poder. Ao verem os abraços e os beijos de cada mineiro chileno que renascia do chão, os antigos mineiros do Pejão sentiram a diferença de um país que tudo deu para salvar os seus mineiros e o outro, o país que tudo fez para que os seus mineiros desaparecessem.

O Chile deu uma lição ao mundo.

Fotografei as Minas do Pejão em Castelo de Paiva entre 1992 e 1993. Foi o trabalho fotográfico que mais me marcou. Sem querer, realizei um dos maiores levantamentos fotográficos sobre minas em Portugal. A minha homenagem a todos os ex-mineiros do Pejão.

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