Adriano Miranda

Pela primeira vez vou tratar o Tio por tu. Sinto-me melhor.

O mundo por vezes desaba nos nossos pés. Hoje desabou para mim. Foi a Inês com voz calma que me deu a notícia. Os pensamentos vieram ao trambolhão. As recordações tropeçaram umas nas outras.

Existia um sítio no mundo que eu adorava. Era uma aldeia. Quase todos eram família. Hoje é um apêndice da cidade mas o nome é o mesmo. Azurva. Era lá, ainda criança, que te admirava muito. Gostava de te ver a martelar. Aparafusar. A vindimar. A lavar o Taunus. A passear com o Jaguar no campo. A comoveres-te à mesa com o avô. Gostava de te ver, porque gostava de aprender.

Nos meus sonhos de criança desejava ser como o Tio quando fosse grande. Adorava sempre os brinquedos que me davas no Natal. E adorava os Natais com toda a  família. Adorava-te.

Lembro-me num domingo ir contigo à pesca. O meu primeiro e único dia de pescador. Pesquei mais de uma dezena de robalos. Fiquei feliz. E como eram divertidas as férias passadas no campismo. Os teatros que eu fazia à noite para ganhar dinheiro para o Rájá.

Ficou marcado a tua visita à minha casa a Oeiras. Foi o nosso reencontro. Depois, na casa de Azurva onde aprendi a martelar contigo, semeámos relva, pintámos muros, martelámos tábuas, caiámos paredes, rimos, conversámos, abraçámo-nos. Continuei a aprender contigo. Como eram boas as tuas longas histórias de infância, da Guerra Colonial ou dos livros que devoravas.

Lutaste sempre. És um Homem. És o meu herói. Hoje, quando te olhei pela última vez não me despedi. Felizmente, o teu pai que era meu avô, deu-nos o mesmo nome, Adriano Miranda.

Descansa em paz.

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