O meu professor de Estética falava imenso de um novo jornal. Chamava-lhe Público. Com grande entusiasmo dizia que ia ser uma revolução. Teria duas edições, a de Lisboa e a do Porto, o que à vinte anos atrás era um desafio enorme. Já não me lembro do nome do meu professor. Só que era baixo, gordo e um excelente professor.
Fiquei curioso e não faltei à chamada. Comprei o número um do Público.
O meu primeiro contacto com jornais foi de tesoura em punho. Não pertencia à censura nem sabia o que isso era. Não sabia ler. Mas adorava espalhar no chão aquelas folhas enormes do Jornal de Notícias e recortar os anúncios, as notícias, as fotografias. Fazia questão de cortar direitinho. Sem falhas. Depois, amarrotava tudo e deitava no caixote do lixo. Fiz isto durante anos até que comecei a ler. Está bem presente na minha memória como invejava os fotógrafos que fotografavam futebol. Achava eu que eram uns privilegiados pois viam os meus heróis, o Damas e o Yazalde, sem pagar bilhete.
Quando recortava os anúncios de necrologia, quando invejava os fotógrafos de futebol ou quando ouvia com prazer o meu professor de Estética, a minha imaginação nunca foi fortemente criativa, ao ponto de me fazer sonhar com um lugar numa qualquer redacção. Mas por ironia da vida ou do destino, há mais de uma década que todos os dias entro na redacção do Público.
Já não recorto anúncios, mas conto-os em cada edição porque são eles que nos pagam os salários. Já não invejo os fotógrafos de futebol porque sei que fotografar futebol é redundante e maçador. E agora, sou eu como professor que falo do Público com entusiasmo aos meus alunos.
O Público tem uma nova Directora. Uma nova Direcção. Depois de grandes dificuldades o melhor diário português quer renascer, quer ser o melhor. Sente-se no ar que uma nova revolução está a chegar. Estou feliz pelo nosso Público.
Sempre acreditei no meu professor de Estética.

Foi muito feio aquele editorial a renegar a herança da direcção anterior. Afinal a “nova” directora já o era na anterior direcção e está lá desde 1989, com um intervalo em Timor.
O acto fica com quem o pratica, com ela e com quase todos os outros do tal gabinete editorial. Quase todos foram responsáveis pela queda do jornal, quer por actos praticados quer por omissão, diria mesmo cobardia.
Discordava do anterior director, mas os que se lhe seguem não me parecem melhores. Desgraçado jornal que tão fraca gente de qualidades tem.